Investimento Público: Desenvolvimento ou Desperdício?
O enquadramento da Sessão foi feito pelo Prof. Mário Lopes, que começou por pôr a questão se se justificaria falar de investimento no actual ambiente de escassez de recursos, tendo concluido que seria importante investir para contrariar os efeitos recessivos da austeridade, que é necessária porque é impossível o país continuar a gastar sistematicamente mais do que produz. Por isso considerou importante o investimento privado, mas também o investimento público se se verificarem duas condições: (i) não pôr em causa a sustentabilidade das contas públicas, e ii) contribuir para a competitividade e sustentabilidade da economia e do Estado. Apresentou exemplos de casos em que o investimento público seria desperdício e casos em que originaria desenvolvimento económico. Concluiu por isso que é preciso ser assertivo e distinguir as situações caso a caso e não fazer julgamentos preconceituosos. Para este efeito cada projecto deveria ser analisado comparando as vantagens de o executar com a alternativa de não o executar, tanto no curto como no longo prazo. Neste contexto apresentou a construção da rede ferroviária de bitola europeia como um exemplo de um possível bom investimento público, justificado não pelo interesse da obra em si mas pelos efeitos positivos na competitividade da economia, que se devem aos seguintes factores: devido aos problemas de interoperabilidade ferroviária, em particular a diferença da bitola, e o facto da Espanha estar a migrar a sua rede para a bitola europeia, a rede ferroviária portuguesa tende a transformar-se numa ilha ferroviária. Como a via rodoviária tende a ser cada vez menos competitiva para as médias e longas distâncias devido aos problemas ambientais e energéticos, as empresas portuguesas ficariam sem meios de transporte terrestre de mercadorias competitivos. Isso seria um desincentivo ao investimento em Portugal e um incentivo à deslocalização de empresas, conduzindo à albanização progressiva e invisível da nossa economia. Isto só pode ser evitado com a construção de novas vias férreas competitivas que permitam a ligação directa à Europa, que para este efeito têm de ser em bitola europeia, que é a que existe em quase toda a UE.
Segui-se a intervenção do Prof Campos e Cunha, que mostrou diversos exemplos em Portugal e no mundo em que períodos longos de prosperidade e desenvolvimento económico estiveram associados a contas públicas equilibradas e déficites baixos, e que contas públicas desiquilibradas estiveram normalmente associadas a crises económicas e períodos de estagnação ou retrocesso económico. Referiu que a crise actual é semelhante à bancarrota de 1892 e bem diferente da crise de 1983 e 1985. Relembrou que as negociações com os credores devido à bancarrota de 1892 só se concluiram no tempo de Salazar e os pagamentos só terminaram em 2001, ou seja, foi uma crise com consequências durante mais de um século. Defendeu que a consolidadção orçamental deve ser feita preferencialmente pela redução da despesa, sendo sempre mais penosa se for feita pelo aumento dos impostos, em particular dos impostos directos, citando um estudo muito recente do Banco de Portugal.
O Prof Campos e Cunha referiu que qualquer investimento público implica uma prévia análise de factores como o retorno futuro, a necessidade do investimento ou a procura expectável da infra-estrutura que se pretende construir. “O investimento público pode ser positivo mas é necessária uma análise profunda do sector e uma profunda análise do projeto”. No entanto manifestou dúvidas sobre a eficácia do investimento público como factor de dinamização da economia. Apesar disso reconheceu que certos projectos de infraestruturas, como a ligação ferroviária directa do porto de Sines à Europa em bitola europeia, podem ter benefícios relevantes para a economia —mas tal tem de ser cuidadosamente avaliado— e que se pode justificar que o Estado ajude na fase inicial. No entanto considerou que na conjuntura económica actual, para este e eventualmente outros projectos úteis, isso pode ser muito díficil por falta de crédito do Governo. Defendeu como bons exemplos de PPP’s parques de estacionamento em zonas urbanas, realizados por privados e sem riscos para o Estado ou as autarquias.
O Prof Augusto Mateus referiu que “um investimento é sempre uma despesa mas uma despesa nem sempre é um investimento”, acrescentando que “o investimento público é muitas vezes realizado à revelia da evolução da procura”. Referiu também que o investimento público e o investimento privado têm lógicas diferentes. No investimento privado, o investidor preocupa-se sempre com a rentabilidade do mesmo, no investimento público nem sempre é assim porque o investidor usa o dinheiro dos contribuintes. Ou seja, o risco de um mau investimento é maior no lado público. Deu como exemplo das “auto-estradas construídas para ganhar eleições”.
Considerou que há situações em que é preferível que o investimento seja privado e noutras que seja público, até porque certos investimentos estruturantes no longo prazo podem não ser possíveis de ser realizados pelo sector privado. Considerou que nas zonas cinzentas, em que é discutível se o investimento deve ser público ou privado, deve-se optar preferencialmente por investimento privado. Considerou também que o desemprego e a recessão se devem mais à falta de competitividade da economia e da sua capacidade para produzir para outros mercados e não tanto à falta de consumo$ e procura interna.
Referiu que na actual conjuntura económica há pouca capacidade do Estado para financiar directamente investimentos públicos a não ser nos casos em que haja forte comparticipação de Fundos da União Europeia. Quanto ao caminho-de-ferro, reconheceu o contributo que pode dar ao desenvolvimento económico do país, realçando que para ser eficiente deve considerar a intermodadalidade, isto é, as ligações aos outros meios de transporte. Considerou que o período actual não é favorável ao desenvolvimento de infraestruturas mas sim à colocação de serviços em cima de infraestruturas.
Durante o período de debate colocaram-se diversas questões: i) no domínio da ferrovia a questão da falta de manutenção e dos riscos que isso comporta e da falta de confiança do público que originaria se houvesse acidentes por causa disso; ii)no domínio da integração nas redes transeuropeias de transportes e do facto de a Espanha estar a construir a sua rede de bitola europeia até às fronteiras portuguesas, iii) da falta de sustentabilidade ambiental e energética das cidades se se continuar a apostar essencialemente no transporte rodoviário individual. No final o Prof. Mário Lopes questionou que a falta de crédito externo seja razão suficiente para justicar a falta da contribuição portuguesa para o financiamento da rede de bitola europeia: como as comparticipações da UE são de 85% do investimento, o restante poderia ser obtido por poupança portuguesa através dos impostos, financiando a contribuição nacional directamente a partir do Orçamento de Estado. Deu um exemplo concreto de como isto é essenciamente uma questão de prioridades na alocação dos recursos disponíveis, que são reduzidos mas não são nulos, dependendo portanto da vontade política do Governo.
Videos da Sessão:
Prof. Mário Lopes - link video, link pdf
Presidente da ADFERSIT
Prof. Campos e Cunha - link
Economista, ex-Ministro de Estado e das Finanças
Prof. Augusto Mateus - link
Economista, ex-Ministro da Economia, Indústria, Comércio e Turismo