TRANSPORTES EM PORTUGAL. UM FUTURO SOMBRIO

TRANSPORTES EM PORTUGAL. UM FUTURO SOMBRIO

No ocaso do Estado Novo o transporte ferroviário vivia um período de ressurgimento e modernidade multifacetados que ia da organização do trabalho, à formação, à renovação técnica e tecnológica (de que é paradigma a Renovação Integral de algumas Vias), a uma gestão empresarial dinâmica e investidora e ao rejuvenescimento profundo dos Quadros Superiores.

O movimento revolucionário de 1974/75, ofuscado com os aspetos ideológicos e sociais, quase tudo paralisou.

A década que se seguiu foi de penúria no nosso sector dos transportes, caracterizada por investimentos mínimos, quadros desmotivados com as suas carreiras profissionais congeladas e por uma hierarquia submissa.

A nossa adesão à Comunidade Europeia abria novas perspetivas também para o sector, embora não estivéssemos preparados para os desafios eminentes pela falta de quadros e gestores preparados e mobilizadores, pela ausência de debate técnico e de conhecimento atualizado, pela inexistência de um planeamento estratégico e de uma visão global e integrada do futuro e pela falta dos correspondentes projetos de realização.

Foi neste contexto que realizei em minha casa, há cerca de três décadas e meia, algumas reuniões com alguns dos mais promissores jovens quadros do sector, pertencentes a todas as forças políticas com representação parlamentar, e a presença do então Secretário Geral da APDC (Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações).

A criação de uma Associação congénere da APDC para o nosso Sector pareceu, aos que viriam a ser os Sócios Fundadores da ADFER, um imperativo para a evolução dos transportes.

Adotámos o mesmo modelo organizacional, mas obviamente não a mesma filosofia de funcionamento. A APDC agia num sector moderno. A ADFER atuaria num sector de grandes carências. No domínio dos transportes apenas o sector das infraestruturas rodoviárias seguia um caminho seguro de desenvolvimento.

Estávamos conscientes de que, então como agora, a ADFER nunca poderia ser uma caixa de ressonância do Poder sem o risco de cair na inutilidade.

Comigo, e com os Presidentes da Direção que comigo alternaram ao longo de três décadas, a ADFER sempre foi um espaço de pluralidade e de independência e um instrumento de causas de desenvolvimento dos transportes.

A génese ferroviária da ADFER não significa que, desde o início, a problemática de todos os transportes não estivesse presente na nossa visão e nas nossas atividades. Os portos e os transportes rodoviários metropolitanos e regionais estiveram connosco desde o início. A evolução para ADFERSIT constitui a formalização de uma realidade e o enfatizar da tónica da indispensável visão global e integrada.

Muitas foram as causas que assumimos e que vieram a ter concretização, para benefício do País, como a colocação do comboio na Ponte sobre o Tejo e a criação do Metro do Porto. Outras que nos mobilizaram desde o início, como a construção de uma nova rede de bitola europeia integrada com os principais portos, aeroportos e transportes metropolitanos, continuam por cumprir.

A FERXXI, graças ao esforço abnegado dos seus Diretores, e apesar de alguns períodos omissos, acaba por espelhar a intensa ação da ADFERSIT em tantas iniciativas, Congressos, Sessões, etc.

Muitas das mais importantes personalidades nacionais e internacionais (políticos, gestores, técnicos, cientistas, etc.) participaram nas nossas iniciativas.

Hoje o trabalho da ADFERSIT é mais difícil porque um espaço que era exclusivamente nosso foi sendo conquistado por organizações com fins lucrativos.

Portugal continua a precisar da ADFERSIT.

Apesar de muitos avanços em inúmeros domínios o País continua com imensas carências e numa caminhada casuística, desperdiçando vultuosos financiamentos comunitários e correndo sérios riscos de os poucos investimentos que hoje realiza serem inúteis amanhã.

Portugal continua sem uma administração pública no sector dos transportes tecnicamente preparada e estável que proporcione aos membros do Governo sustentabilidade e rigor nas suas decisões.

A Espanha, o País que, por múltiplas razões, nos deveria servir de referência, tem uma administração pública altamente qualificada, tem uma visão de futuro ambiciosa e convergente, aproveita ao máximo o financiamento comunitário, constrói empolgadamente um país novo alicerçado no seu novo sistema de transportes. Para a Espanha nem pesa muito a qualificação da tutela governamental.

Quando a ADFER nasceu Portugal não estava atrasado em relação a Espanha no domínio dos transportes. Hoje levamos décadas de atraso. Com poucas esperanças no Futuro.

De pouco serviu trazermos a Portugal o Ministro do PSOE, D. Abel Caballero, explicar, a muitas centenas de políticos, gestores e quadros portugueses, como lançou e fez construir a primeira linha de bitola europeia, apta para tráfego misto, Madrid – Sevilha.

Não faltará muito para que os portugueses percebam o contraste entre o gigantesco avanço da Espanha e o ostracismo da realidade portuguesa e não poderão deixar de sentir vergonha da maior parte dos políticos que nas últimas décadas tutelaram o sector.

A ausência de uma visão de futuro, acompanhada de monstruosos erros estratégicos como a empolada e arrastada modernização da linha do Norte, que a ADFER sempre combateu, não permitem qualquer esperança no futuro.

A RCM de dezembro de 88 definia um caminho para o futuro da rede ferroviária. A Cimeira Ibérica da Figueira da Foz definia o essencial da nova rede de bitola europeia. Classificaram-na de megalómana, apesar de a Andaluzia, ou a Catalunha ou a Galiza virem a ter redes de dimensão equivalentes. Tudo ficou pelo caminho!

Como seria hoje a nossa rede rodoviária, com tantas autoestradas quase inúteis, se tivessem sido objeto dos mesmos exigentes critérios?

Quem pode garantir que o pouco que está a ser feito hoje no domínio ferroviário tem alguma utilidade amanhã? O investimento na Linha da Beira Alta apresenta a mesma falta de visão que deu lugar ao projeto da Linha do Norte.

No domínio aeroportuário a mesma visão. Em 1984 a Ana fez um estudo que apontava para o Montijo B como a melhor opção para o NAL. Realmente é um estudo discutível. Mas se a opção do Governo fosse essa, e a de construir agora a primeira fase, seria uma opção com um mínimo de credibilidade. Mas não é. Para o Governo o futuro é Portela mais dois? Portela mais três? Ou quando o Montijo saturar construímos um NAL e perdemos o investimento agora feito?

Se não fizermos urgentemente uma revolução na forma de conceber, estudar, projetar e concretizar o futuro sistema integrado de transportes e das suas infraestruturas, suportada por estruturas qualificadas e estáveis e respeitando uma visão estratégica convergente, de muito longo prazo, ditada pelo interesse nacional, o futuro do sector dos transportes será inexoravelmente sombrio.

Arménio Matias

1º Presidente da Direção da ADFERSIT


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