Da ideia de mobilidade, à concretização partilhada
O contexto da gestão da mobilidade em Portugal é, hoje em dia, bastante desafiante em várias perspetivas.
A ferrovia, base estruturante de todo o sistema, tem sofrido nos últimos anos pouca atenção. Também as condições estruturais fazem do transporte ferroviário em Portugal um meio menos atrativo: somos um país periférico, com indústria menos desenvolvida do que gostaríamos, e temos bons portos e vias rodoviárias. Junta-se a falta de investimento que tem levado ao envelhecimento das infraestruturas e que urge modernizar, sob pena de fornecermos serviços fora dos padrões requeridos.
Adicionalmente, tem-nos faltado uma visão consensual de longo prazo. Não existiu até agora um entendimento comum entre os vários players sobre um plano para a mobilidade que tivesse tido consequências positivas no sector - algo que, reconheço, toma agora outra dinâmica.
A estas necessidades prementes, acresce a modificação social e tecnológica do nosso contexto que exige uma nova oferta de serviço de transportes e, consequentemente, a revisão de toda a cadeia de valor do sector da mobilidade.
As mudanças de conceitos e comportamentos
Prevê-se que, em 2050, a população mundial seja de 9,6 mil milhões de pessoas e 70% habitem em cidades. O transporte de pessoas e bens terá assim que assegurar uma circulação diária não compatível com a atual infraestrutura. Se, por um lado, a capacidade tem que ser aumentada, criando novas infraestruturas num espaço físico já hoje limitado, por outro, a disponibilidade do transporte terá que seguramente passar por sistemas de sinalização e telecomunicação mais modernos. Estas ferramentas vão permitir aumentar a disponibilidade, a partir da agilização dos tempos de circulação dos veículos.
Da mesma forma, a exigência de cumprimento de várias diretrizes ambientais tem impulsionado, e continuará a promover, o desenvolvimento de veículos mais eficientes sem comprometimento da sua fiabilidade. Têm sido anos de grandes desenvolvimentos para a utilização de “energias verdes” nos transportes, que passam não só pela eletrificação – vejam-se as “autoestradas elétricas” –, como pela utilização de baterias nas indústrias automóvel e ferroviária, onde o diesel já é visto como uma tecnologia ultrapassada.
Acrescenta-se o facto de estarmos a assistir a mudanças comportamentais que temos de considerar quando falamos em mobilidade. A mobilidade partilhada é um exemplo paradigmático do que esta afirmação significa. As plataformas de mobilidade partilhada têm hoje um grau de penetração na rede de transportes significativa e desempenham um papel cada vez mais importante na capilaridade desta rede. Realidade esta, impensável algumas décadas atrás.
Ainda em relação aos comportamentos, vemos que a utilização combinada de vários modos de transporte para uma viagem requer uma nova abordagem por parte dos operadores, já que, hoje, o utilizador exige uma oferta do transporte público integrada, obrigando a horários compatíveis e trajetos complementares.
A digitalização para promover a mobilidade
A digitalização na mobilidade vem viabilizar e impulsionar as soluções que têm vindo a ser trabalhadas para responder a este contexto.
Através da digitalização conseguimos recolher dados da infraestrutura, o que possibilita partilhar informação com os utilizadores, obter dados operacionais de grande valor para os operadores, conectar infraestruturas, criar novos serviços e, acima de tudo, colocar o utilizador no centro do sistema. Consegue-se assim assegurar a disponibilidade, conectividade e desmaterialização dos sistemas, proporcionando o serviço que a população valoriza: transporte disponível, rápido, a preço acessível e confortável.
A digitalização tem uma oportunidade inigualável para Portugal. Transpondo o ativo mais valioso deste novo paradigma para os dados, será o capital humano o principal motor desta nova indústria. E, neste campo, Portugal tem competências únicas, reconhecidas mundialmente. Temos uma capacidade de engenharia e inovação ímpares e tal confirma-se através da vitalidade das startups e PME’s no país ou pela escolha dos grandes eventos do setor em assentar em Portugal - o WebSummit será o mais mediático.
Somos ainda reconhecidos por ser early adopters, o que privilegia o país como test bed de várias tecnologias.
A cooperação é o motor do dinamismo
Cientes de que temos a capacidade de criar valor para o exigente sector da mobilidade, necessitamos apenas de encontrar a cooperação necessária entre os vários stakeholders para dinamizar as ações que possam projetar as nossas competências, usando o já antigo lema de que “juntos somos mais fortes”.
É por isso muito importante a existência de plataformas, como a ADFERSIT, onde o debate das ideias é fomentado e a troca de perspetivas promovida. Em cooperação, pode-se chegar às soluções ideais para cada sistema.
Recorde-se também o papel que a Plataforma Ferroviária tem vindo a assumir e que tem permitido alavancar as propostas dos seus associados, a destacar a promoção do “Comboio Português”.
Há também uma nova dinâmica do tema da mobilidade em Portugal. Importantes medidas têm vindo a ser estudadas, não só pelos operadores como pelos municípios, que se tornaram players cada vez mais importantes na gestão da mobilidade integrada.
Para tornar real este novo ímpeto que a mobilidade em Portugal tem tomado, será necessário cooperar e criar alianças estratégicas que deem o músculo necessário para passarmos das ideias às ações.
09 de Dezembro de 2019
Manuel Nunes,
CEO da Siemens Mobility