Do “Moonshot” ao “Earthshot”: A inovação no sector dos Transportes

carlos moedas

A inovação na área dos transportes e da mobilidade tem sido nos últimos 100 anos uma das maiores forças de mudança da nossa história. Em 2017 tive o gosto de conhecer o famoso astronauta Buzz Aldrin, o segundo homem a pisar a superfície da lua (19 minutos depois de Neil Armstrong) naquele dia 20 de Julho de 1969. Buzz Aldrin contou-me uma história que nunca esquecerei; o seu pai Edward Aldrin tinha estado presente quando os Wright Brothers fizeram o primeiro voo em Kitty Hawk em 1903. Foi essa presença do seu pai que o inspirou e que o levou a seguir carreira de astronauta.

É difícil de imaginar que apenas numa geração um homem assiste ao primeiro voo realizado pelo ser humano e anos depois vê o seu próprio filho a andar na superfície da lua.

O sector dos transportes e da mobilidade tem sido o catalisador de tantas outras descobertas. A ida à lua, o chamado “moonshot”, veio mudar a nossa vida não só, pela ação de ir à lua, mas pelas descobertas que mudaram a nossa vida, desde antibióticos, novos materiais, painéis solares ou mesmo equipamentos médicos. A ida à lua entusiasmou toda uma geração que se galvanizou em torno de um objetivo comum. E hoje de certa forma precisamos de reencontrar esse objetivo comum.

Durante os meus anos de Bruxelas tentei exatamente criar essa visão de missões de ciência que nos levem a um entusiasmo comum. Bertrand Picard o primeiro homem a dar a volta ao mundo num avião a energia solar, disse-me um dia num almoço que o próximo “moonshot” não será uma ida a um planeta longínquo, mas sim um “earthshot”. A nossa próxima grande missão é salvar a própria terra e a inovação na mobilidade será um dos principais catalisadores dessa missão, assim como foi o catalisador do chamado “moonshot”.

E da mesma maneira que em menos de 70 anos fomos do primeiro voo até marchar na superfície da lua, aquilo que temos pela frente está mais perto e mais ao nosso alcance. Falo de mudar a nossa relação com a terra: O “earthshot”.

Eu acredito que desta vez tudo será mais rápido. Há duas fotografias extraordinárias que me mostrou um dia o Bertrand Picard, uma no ano de 1900 na quinta avenida em Nova Iorque em que só vemos carroças e cavalos e uma em 1913 em que só vemos automóveis. Eu acredito que hoje estamos no equivalente de 1900 e que em 10 anos mal vamos reconhecer as nossas cidades.

Para que isso aconteça teremos que alinhar três vértices de um triângulo: verde, digital e crescimento.

O primeiro é o combate à crise climática através da economia verde. É essencial que todas as inovações na área da mobilidade apostem na transição verde justa e inclusiva. Por isso, a primeira e mais importante medida em que podemos apostar é a gradual redução dos subsídios às energias fósseis e a aplicação, de pelo menos parte, desses montantes em inovações na área da mobilidade e da transição energética. A nível global os governos gastam anualmente entre 400.000 e 600.000 milhões de dólares em subsídios aos sectores das energias fosseis. Enquanto continuarmos a subsidiar as energias fosseis a este nível os incentivos à inovação na transição energética não serão suficientes. Muitos especialistas afirmam que um terço destes subsídios anuais chegaria para financiar a transição verde.
Cada vez que vejo alguém falar de uma marca como a Tesla que hoje domina o sector do automóvel elétrico pergunto-me: como foi possível que as grandes marcas europeias de automóveis, de tradição centenária, não tivessem sido capazes de criar exatamente o mesmo tipo de veículo na europa?

O que me leva ao segundo ponto que é o da transformação digital. A Europa tem tradicionalmente os melhores engenheiros do mundo treinados no mundo físico e que são reconhecidos em todo mundo.
Eu acredito que as grandes transformações neste sector não virão daqueles que dominam o mundo físico e a indústria automóvel. Como alguém uma vez disse: “Quando Edison inventou a lâmpada incandescente, não começou por tentar melhorar uma fábrica de velas.”

Ou seja, as grandes mudanças na área de mobilidade virão da interdisciplinaridade. Quando Bertrand Picard decidiu criar o primeiro avião movido a energia solar visitou as melhores empresas do mundo na construção de aviões e todos sem exceção lhe disseram que um avião com tantos painéis solares nunca voaria porque seria demasiado pesado e demasiado lento. Visitou um dia um amigo que era construtor de barcos que decidiu ajudá-lo. Esse amigo foi capaz de construir um avião apenas movido a energia solar forrado de painéis solares e Bertrand deu a volta ao mundo nesse mesmo avião. Um dia perguntaram-lhe como é que o amigo tinha conseguido quando todos pensavam que era impossível. E ele disse: porque o meu amigo não sabia que era impossível.

Terceiro o crescimento. Um dos grandes problemas da inovação hoje é a sua difusão e o aumento da produtividade. Mais uma vez foi exatamente no sector da mobilidade que há 50 anos demos um dos maiores passos de produtividade no mundo com a criação do contentor logístico. Aquilo que parecia naquela época uma pequena inovação. A capacidade de colocar um contentor standard num barco e que levaria uma redução impressionante no custo de transporte, tornando-se o grande motor do comercio mundial. Em 1954 o transporte de uma tonelada enviada de um lado para o outro do atlântico custava 420$. Hoje custa menos de 50$.

Hoje o grande desafio é alinhar o crescimento com a descarbonização. Sabemos que é possível e a Europa tem sido grande exemplo de que é possível. A presidente Ursula Von der Leyen dizia no seu discurso do Estado da União que a inovação na Europa nos permitiu demonstrar que se pode crescer e diminuir as emissões de carbono ao mesmo tempo. O PIB Europeu cresceu nos últimos 30 anos 60% e ao mesmo tempo reduzimos as emissões de carbono em 25%. E por isso a mobilidade do futuro será feita de projetos inovadores que diminuam as emissões de carbono e ao mesmo tempo tenham um impacto positivo no crescimento e na produtividade.

Acredito que uma estratégia de inovação para a mobilidade assente neste triângulo será peça fundamental para construir e alcançar um “earthshot” que combine crescimento, digitalização e combate às mudanças climáticas.

Outubro, 2020

Carlos Moedas
  Presidente do 14º Congresso Nacional da ADFERSIT
  Ex-Comissário Europeu
  Administrador da Fundação Calouste Gulbenkian

14º Congresso Nacional ADFERSIT

“Mobilidade Sustentável para todos – Desafios para Portugal na década 2020-2030”

A necessidade de analisar, de forma abrangente, a mobilidade e os transportes e os grandes desafios que, nesse âmbito, Portugal irá enfrentar na década que agora de inicia, levaram a ADFERSIT a eleger o tema global “Mobilidade Sustentável para Todos – Desafios para Portugal na década 2020-2030” para o seu 14º Congresso Nacional, o qual será estruturado em torno das quatro dimensões da mobilidade sustentável: Acesso Universal, Eficiência, Segurança e Mobilidade Verde.



O Congresso irá realizar-se nos dias 3 e 4 de Novembro de 2020 na Fundação Calouste Gulbenkian.