A nova Rede Ferroviária

A nova Rede Ferroviária

A matéria proposta merece-me um cuidado muito particular e uma quase veneração, devida à sua já provecta idade. Esta salutar longevidade tem permitido a sua abordagem por sucessivas gerações, que elaboraram estudos e pareceres, todos com cariz técnico e sempre produzidos com o maior empenho e dedicação.

Por isso, procurarei ser muito sintético e pragmático na exposição de mais este contributo.

O conhecimento de qual a Rede Ferroviária que se pretende construir é, em meu entender e de há muito a esta parte, essencial, como ponto de partida para qualquer discussão séria sobre esta matéria.

Esta Rede Ferroviária Nacional deverá ser definida de acordo com a procura da sua máxima eficiência, considerando as Sinergias Operativas do modo ferroviário, na sua interatividade com os outros modos de transporte e sempre com uma análise custo-benefício das diferentes soluções propostas, de modo a permitir uma decisão política informada e não meramente voluntarista ou, como tem acontecido ao longo dos tempos, continuar a alimentar a não decisão.

Entendo que uma solução, qualquer que ela seja, só será encontrada quando houver uma decisão política idêntica à que foi tomada no passado, relativa à definição da Rede de Autoestradas, permitindo que hoje coexistam a rede de estradas antigas com a Nova Rede, construída segundo os novos parâmetros. As duas são complementares e têm funções bem definidas no Sistema Nacional de Transportes.

Sendo certo, que a gestão de duas estruturas ferroviárias diferentes não é tarefa fácil, há que definir, desde o início, qual a solução que pretendemos, eventualmente, recorrendo à experiência do modelo espanhol, em vigor há tantos anos.

A vivência complementar das duas redes será a base e o ponto de partida do Novo Plano Ferroviário Nacional, quer no que respeita a Passageiros, quer no referente ao transporte de Mercadorias.

A Nova Rede Ferroviária, construída de acordo com as normas europeias, será a rede primária do modo ferroviário, quer para Passageiros, quer para Mercadorias, assegurando:

  • A ligação de Passageiros entre Centros Urbanos, capitais de Distrito, sendo a realização deste objetivo, escalonada no tempo, em função das diferentes realidades populacionais. Contudo, haverá que garantir, desde o inicio, tempos de percurso adequados entre todas as capitais de Distrito, com a utilização combinada das diferentes infraestruturas e material circulante.
  • Ainda nos Passageiros, esta rede tem que garantir a ligação aos Aeroportos, tendo aqui uma muito especial relevância a localização do Novo Aeroporto de Lisboa.
  • No transporte de Mercadorias haverá que garantir a ligação aos Portos Nacionais, permitindo o encaminhamento dos produtos, quer nos eixos principais internos de distribuição, quer na relação com o exterior, tendo como objetivo chegar ao Centro da Europa, através de uma ligação coordenada com a rede de Espanha.

Adquiridos que sejam estes pressupostos, será então possível definir a parametrização da infraestrutura, nomeadamente, no que respeita a Tempos de Percursos, Velocidades Máximas e Médias, Gradientes Máximos, analisando sempre, para cada formulação, os custos envolvidos que crescerão, grosso modo, na razão direta do crescimento das exigências formuladas.

Teremos assim, a Ferrovia como um elemento de articulação e potenciador da capacidade e eficiência dos outros modos de transporte, sendo de salientar, como exemplos mais significativos das Sinergias possíveis:

  • Nas Mercadorias, a ligação aos Portos Nacionais, conforme já referido.
  • Nos Passageiros, a ligação aos Aeroportos é um elemento dinamizador da sua procura, pelo alargamento do seu espaço de influência. No caso concreto do Novo Aeroporto de Lisboa, deverá existir uma relação direta entre a sua localização e a definição da rede ferroviária.

Importa assim definir a localização do Novo Aeroporto de Lisboa, face aos estudos já realizados durante as últimas décadas e considerando uma futura e salutar redução de tráfego no Aeroporto da Portela, deverá ser considerada de forma séria Alcochete.

Na sequência desta decisão importa considerar:

  • A saída ferroviária de Lisboa, em direção ao Norte, deverá ser feita através da 3º Travessia do Tejo, localizada, na margem direita, a montante da foz do rio Trancão.
  • Na área ferroviária do Aeroporto de Alcochete, estarão as ligações da Nova Rede ao Norte, ao Sul e a Leste.
  • Deste modo o Aeroporto de Alcochete, poderá servir em condições adequadas de tempo e fiabilidade de transporte o eixo principal ferroviário de Braga a Faro, bem como as zonas fronteiriças de Badajoz e de Vigo.
  • O conceito de Estação Central de Lisboa, que já pouco sentido faz, deixará de ter qualquer significado uma vez que a exploração da Rede terá por base Alcochete e não Lisboa, esta última já com saturação suficiente a necessitar de espaço para deixar respirar as suas infraestruturas.
  • O serviço “shuttle” entre o Aeroporto e Lisboa, Gare do Oriente-Santa Apolónia, permitirá uma gestão de frota otimizada, quer do material circulante, quer das suas tripulações.

Por tudo isto e porque as Sinergias são fator determinante do sucesso dos Projetos em análise, todos eles com muitas décadas de estudos, urge haver uma decisão política de avançar para a formulação de um Projeto Ferroviário para os próximos 20 anos.

Esta decisão política deverá representar um entendimento maioritário a nível nacional, e deverá ser tomada com a urgência a que a atual situação económica e social do País obriga.

30/03/2021

Manuel Cidade Moura
ex-Presidente do Conselho de Administração da RAVE
ex-Administrador da CP

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