Cooperar para Internacionalizar: O Papel do Design e das Associações

Cooperar para Internacionalizar: O Papel do Design e das Associações

O design no contexto da estratégia ferroviária

Ao nível global, e considerando a necessidade crítica de descarbonização do sector da mobilidade, o transporte ferroviário oferece inequivocamente uma solução mais ecológica do que a maioria dos sistemas concorrentes. Por isso, o anunciado aumento do investimento neste sector surge sem surpresas, e é muito bem-vindo.

Ao nível nacional, um Plano Nacional Ferroviário para satisfação das necessidades locais (actuais e futuras), se bem aproveitado, pode ser uma oportunidade única para envolver e alavancar a indústria nacional ferroviária, permitindo a criação de consórcios e cadeias de fornecimento que desenvolvam competências e integrem futuros produtos / bens e serviços inovadores, competitivos e principalmente, exportáveis.

Uma estratégia para a ferrovia em Portugal deve também apresentar uma abordagem holística da mobilidade, conjugando-a com os outros sistemas de transporte, das grandes distâncias ao Last Mile, em inevitável articulação com as estratégias regionais para a Especialização Inteligente na área da mobilidade.

Na abordagem holística, os processos de design podem oferecer uma resposta diferenciadora, em particular no transporte de passageiros porque são focados nos utilizadores estimulando, respostas criativas e inovadoras porque:

  • É fundamental investir na atractividade do sistema. Se não atrairmos os passageiros para a utilização do transporte público e se não devolvermos a confiança aos passageiros (pós-pandemia?) os investimentos na ferrovia terão certamente um retorno menor. O design pode ter aqui um papel chave, criando melhores experiências de viagem e serviço, com comboios mais confortáveis, mais seguros, mais acessíveis e sustentáveis.
  • O Sistema Ferroviário deve ser integrado num Serviço Completo de Mobilidade (MaaS), articulado com todos os restantes sistemas para servir melhor o passageiro. Mais do que saber qual o veículo ou a infra-estrutura, para o utilizador interessa de onde parte, onde chega, e se a viagem é segura e confortável.
  • No transporte de passageiros, não interessa apenas ir mais rápido, mas sim como vivemos a experiência da viagem e como utilizamos o tempo. Nesse sentido, torna-se pertinente um maior investimento no design dos serviços e equipamentos, sempre e cada vez mais, com foco no utilizador.
  • Uma ferrovia mais eficiente e sustentável exigirá novos sistemas de propulsão e armazenamento de energia, novos materiais, mais leves e ecológicos, e uma abordagem mais inovadora ao ciclo de vida dos produtos, numa óptica que congregue operação e tecnologia, pode e deve ser integrada pelo design.
  • Numa perspectiva de futuro, indústria e sistema científico nacional devem aproveitar as oportunidades oferecidas por soluções mais inovadoras, tanto na ferrovia pesada como na ligeira, onde é mais fácil a integração de novos players, como na área dos shuttles autónomos, com menos investimento e maior eficiência, ou na hipotética implementação de sistemas tipo Hyperloop, que permitiriam ligar Portugal ao centro da Europa em tempos muito competitivos.

Por tudo isto, uma estratégia para a ferrovia deve comunicar uma visão de longo prazo para o sector, permitindo orientar a sociedade no desenvolvimento de novos negócios e produtos/serviços, muito além dos ciclos políticos e considerando a necessidade de grandes investimentos e períodos de desenvolvimento. Para mais, porque este é um sector que esteve muitos anos esquecido, devido à lógica de desindustrialização vigente e ao investimento em outras alternativas de transporte.

Do I&D à Inovação

Há mais de 24 anos que a Almadesign realiza projetos de Design para a área da Mobilidade, incluindo os sectores Rodoviário, Aeronáutico, Náutico e Ferroviário. A intervenção do Design contempla a especificação do projecto com clientes e utilizadores, geração de conceitos e desenvolvimento do produto até ao apoio à construção dos primeiros protótipos.

Com actividade no sector ferroviário desde 1998, e fruto da cooperação noutros sectores, a Almadesign cedo entendeu que apresentar e exportar serviços é mais eficaz com soluções integradas e não com serviços ou produtos isolados.

Foi em equipa e de forma integrada, que a empresa participou pela primeira vez na Railway Interiors (2007), com empresas nacionais, sobe o mote da cooperação e integração para a exportação. Foi também em consórcio e com entidades nacionais que, em 2009, envolveu-se um grande integrador internacional no desenvolvimento de um banco ultraleve para a alta velocidade, o ISEAT, alinhado com a vontade de criar um comboio rápido Lisboa-Porto que estava em estudo pela (já extinta) RAVE.

Entendendo o impacto dos demonstradores resultantes da colaboração em I&D, dinamizou-se o projeto INTRAIN, antevendo o futuro dos interiores de comboios suburbanos com 11 empresas nacionais (e as equipas da CP e EMEF) desde o design á construção da carruagem à escala real.

Fruto da confiança adquirida, a Almadesign e os parceiros do INTRAIN colaboraram com a CP e a EMEF no design do interior e exterior das composições do novo Alfa Pendular, desenvolvido em cerca de 2 anos, com mais de 80% de incorporação nacional: do design dos bancos à iluminação, dos salões ao Bar.

Foi o reconhecimento dos trabalhos realizados em Portugal e as oportunidades nacionais que levaram a Almadesign a participar em projectos de design para a ferrovia em Espanha, na Alemanha ou na Arábia Saudita, onde o design ajudou a promover e potenciar o know-how das empresas locais.

A importância dos Clusters e redes de colaboração.

Para além dos citados, temos em Portugal muitos bons exemplos de como exportar bens e serviços: desde a construção de infra-estruturas, à implementação de sistemas ou à integração de material circulante, como as carruagens e os seus interiores – aprendendo com o retrofit para chegar ao material novo. Para tal, contribuiu o conhecimento especializado que (ainda) existe, a inegável excelência da engenharia nacional, a mão de obra qualificada de valor competitivo e o domínio de algumas tecnologias chave: do software à metalomecânica. Além da ferrovia, existem também competências nacionais em outros sectores dos transportes, que muito têm contribuído para esta valorização, a que no design chamamos “fertilização cruzada”.

No entanto, a dimensão do mercado português é ainda pequena para absorver e gerar margens significativas a longo prazo. É por isso fundamental aproveitar a resposta às necessidades locais para que as empresas nacionais tenham um cartão de visita no exterior. À semelhança do que tem sido feito na maioria dos países europeus, essa é a responsabilidade e oportunidade dos projectos nacionais para alavancar a nossa indústria e criar um efeito multiplicador na economia e nas exportações.

Neste caminho, importa destacar o trabalho de clusterização do ecossistema ferroviário nacional e o alinhamento deste com uma estratégia nacional, criando sinergias entre competências complementares e disseminando a indústria nacional de forma integrada, com o imprescindível apoio da diplomacia económica nacional, para chegar a outros mercados. Foi com este objectivo que, desde 2015, a Almadesign participou na fundação e direcção da Plataforma Ferroviária Portuguesa (PFP) que reúne hoje quase 100 associados. Para além do networking, da promoção e da participação em iniciativas como o Centro de Competências Ferroviário ou o RailCOLAB, a dinamização de projectos mobilizadores e demonstradores (como o projecto Ferrovia 4.0 ou a criação de um comboio “mais português”) têm uma relevância adicional para a estratégia nacional porque permitem:

  • Aprender a trabalhar em conjunto e ganhar confiança.
  • Apresentar soluções integradas, de maior valor acrescentado.
  • Aplicar a inovação e o conhecimento local para ganhar experiência e diferenciação.
  • Usar os projectos nacionais como demonstradores de competências no mercado internacional.

Também nos projectos demonstradores, é determinante o valor do Design como integrador de uma visão comum e como ponte para a disseminação das competências nacionais além-fronteiras.

Falta ainda à ferrovia nacional alguma da vontade de cooperar e inovar que permitiu o crescimento de outros sectores. Para este mindset é importante o alinhamento entre os diferentes players nacionais, não competindo entre si mas com o resto do mundo e em associação com outros parceiros europeus. Neste sentido, o papel das Associações, como a PFP e a ADFERSIT, dinamizando acções de eficiência colectiva, de informação, de networking e de promoção da tal “fertilização cruzada” é determinante. Por outro lado, a estratégia ferroviária nacional deve articular-se com estas redes, adoptando princípios que promovam uma maior incorporação nacional com uma colaboração equilibrada entre estado, institutos e empresas nacionais (exportadoras de bens e serviços) como fazem tantos países europeus. Se falharmos esta oportunidade, falhamos as próximas décadas para a indústria ferroviária nacional, não só internamente, mas principalmente, para a sua projecção internacional.

Oferecer respostas integradas, em parceria, com um design inovador e sustentável, é a única forma de sermos competitivos noutros mercados, com menos esforço e cada vez mais sucesso!


24 de Janeiro de 2022

José Rui Marcelino 
   CEO da Almadesign,
   Docente na FA – Universidade de Lisboa
   Membro da PFP


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