Transporte Ferroviário de Mercadorias - Uma inevitabilidade
Desde os anos 80 do século passado até ao final da primeira década do século XXI o transporte ferroviário de mercadorias, em Portugal, foi considerado pelos seus utilizadores como uma solução de qualidade sofrível a um custo baixo. Era caracterizado por oferecer soluções de transporte de vários tipos de granéis e cargas multicliente percorrendo distâncias curtas e transferências de carga em diversos terminais ao longo do percurso em território nacional. Assim foi durante longos anos, investimentos em infraestrutura muito limitados, pouco mais do que as manutenções obrigatórias, material circulante estagnado no tempo e soluções de transporte isentas de inovação.
A liberalização do sector ocorrida, há sensivelmente 15 anos, foi um marco determinante e um ponto de viragem para uma realidade esgotada e sem futuro. A entrada no mercado do primeiro operador ferroviário privado, a Takargo, e posteriormente a privatização da CP Carga, vieram trazer uma nova dinâmica e uma competitividade saudável ao sector, emergindo novas soluções logísticas como a integração modal, o transporte em comboio bloco e principalmente a interoperabilidade da rede ibérica com o aparecimento em larga escala de soluções de transporte com origem e destino entre Portugal e Espanha.
A evolução das toneladas transportadas pela Takargo é reflexo desta nova realidade, caracterizada por um mercado concorrencial e por uma relevância consistente do transporte internacional ibérico (nos últimos 5 anos superior a 60% do total).
O sector transformou-se principalmente pela ação dos operadores, investindo fortemente em novo material circulante diesel-elétrico interoperável, novos vagões e soluções de transporte inovadoras, mas também na construção de relações colaborativas e de confiança com os seus clientes, suportadas num reconhecido incremento da qualidade das soluções logísticas oferecidas. No entanto, e apesar da evolução muito positiva, há ainda um longo caminho a percorrer de modo a fazer cumprir as metas ambientais ambiciosas: Incremento de 50% do transporte ferroviário de mercadorias até 2030, transferindo do modo rodoviário tráfegos em distâncias superiores a 300 km com a ajuda de corredores eficientes e ecológicos (Livro Branco dos Transportes).
Este caminho, será com toda a certeza, detalhado no futuro Plano Ferroviário Nacional que integrará um conjunto de objetivos e investimentos estruturantes que só serão efetivos se resultarem numa nova realidade que permita garantir a transferência de modo e consequente crescimento do transporte de mercadorias por ferrovia:
- Operacionalização de uma verdadeira rede ibérica interoperável com tração elétrica;
- Criação de condições competitivas e eficazes de transferência modal (terminais) na região de Lisboa e Porto;
- Franco acesso aos terminais portuários;
- Adequação dos principais terminais privados às necessidades dos operadores ferroviários (acessos, horários, capacidade);
- Comboios de 750m ao longo dos principias eixos
- Redução de rampas em pontos críticos da infraestrutura;
- Remoção das barreiras à introdução de novo material circulante em Portugal (ETCS, GSM-R);
A operacionalização desta transição poderá incutir nos operadores custos acrescidos resultantes de restrições à circulação e investimento em material circulante pelo que será determinante a utilização de fundos nacionais e comunitários (CEF, PRR entre outros) para mitigação dos impactos negativos e desta forma contribuir para a sustentabilidade económica e financeira dos operadores ferroviários e do sector como um todo.
Contudo, sabemos que as metas impostas pela emergência da descarbonização da economia não serão atingíveis se nos focarmos apenas na infraestrutura ferroviária e material circulante.
Os investimentos na modernização da rede têm, pela sua natureza, maioritariamente efeitos materializáveis no longo prazo na eficiência das operações ferroviárias pois exigirão dos operadores de mercadorias investimentos adicionais e tempo de adaptação. Assim, é fundamental desenvolver medidas adicionais de curto prazo focadas na redução dos custos da operação ferroviária que possam potenciar uma transferência modal imediata e o crescimento do mercado ferroviário. Estas medidas passam por uma adequada incorporação em cada modo de transporte dos reais custos para a sociedade (externalidades) que advêm da sua utilização, penalizando aqueles que são socialmente mais prejudiciais.
Nunca nas últimas décadas se planeou investir tanto na ferrovia, a ambição é imensa, a expectativa global não será gorada se todo o sector trabalhar em conjunto para tornar realidade este objetivo estratégico de Portugal.
28 de Fevereiro de 2022
Miguel Lisboa
Presidente do Conselho de Administração
Takargo – Transporte de Mercadorias, S.A.