Exploração dos modos suaves… fatores críticos de sustentabilidade
Hoje em dia, a mobilidade urbana apresenta desafios que alteraram significativamente o paradigma dos últimos 20 anos.
As necessidades das populações são diferentes e as prioridades sociais das novas gerações modificaram-se. Nunca antes as populações exigiram uma oferta tão intensa e diversa como atualmente.
De forma simplificada, podemos dizer que a mobilidade segue as mesmas exigências das tecnologias de informação onde a personalização, a conveniência e o instantâneo são elementos fundamentais das propostas de valor. Assim, as propostas de mobilidade têm-se modernizado e atualizado “ao sabor” das necessidades do mercado, nomeadamente no que se refere aos modos suaves.
Se a procura reclama novas propostas de valor, a oferta necessita de acompanhar essa transformação e, com isso, surgem enormes desafios, nomeadamente na formação de novos operadores de mobilidade que encontram nas condições de exploração dos novos modos um novo paradigma.
Os modos suaves são um “game changer“ nas explorações de sistemas de transporte, sendo por isso necessário perceber de forma muito séria e cuidada quais os pontos críticos destas novas operações. A realidade recente está cheia de exemplos onde, infelizmente, os agentes do sector subestimaram as condições de exploração, culminando com sistemas altamente deficitários.
A exploração dos modos suaves passa pela operação dos equipamentos (segundo os níveis de serviço exigidos) e pela sua manutenção (tendo em conta o ciclo de vida dos mesmos). É aqui que o paradigma se altera por completo, pois os utilizadores de modos suaves não estão dispostos a esperar por um horário, tal como nos modos tradicionais… este tipo de utilizador pretende usar o modo da forma mais conveniente e imediata possível, o que obriga a ter as frotas permanentemente disponíveis no espaço e no tempo.
A organização e o planeamento das operações deste tipo de sistema assenta em pressupostos novos, e a realidade tem vindo a demonstrar que a abordagem simplista sobre a disponibilidade da frota traz sérios problemas, não só do ponto de vista da sustentabilidade económica dos operadores, mas também na ocupação do espaço público. Também a gestão equilibrada e sustentada do ciclo de vida do produto, do ponto de vista ambiental, introduz enormes desafios na exploração destes sistemas.
Resumindo, a sustentabilidade dos modos suaves não é compatível com modelos “paraquedistas” que assentam única e exclusivamente na conveniência. As exigências de disponibilidade das frotas, traduzidas nas atividades de reposição e manutenção, são enormes e a verdade é que ainda não existem condições que permitam aos operadores planear e otimizar, de forma confortável, as suas estruturas de operação.
Vários são os exemplos de operações com problemas, seja pela sustentabilidade económica do operador, seja pela total anarquia da ocupação do espaço público. É por isso fundamental que, tanto as entidades gestores das cidades como os operadores, entendam a importância do ordenamento destas redes. Sem ordenamento será impossível a introdução sustentada dos modos suaves.
Como compatibilizar, então, a desejada conveniência com o necessário planeamento da operação? Antes de mais, entender que sem ordenamento não há planeamento!
A solução tem, por isso, de passar pela existência de uma entidade responsável pela implementação destes modos, que defina os princípios básicos de ordenamento da rede e os níveis de serviço do sistema, deixando ao operador a tarefa de planeamento da operação.
O exemplo do sistema GIRA parece ter pontos positivos, onde a EMEL define os níveis de serviço (SLA) para uma determinada rede de estações, e o operador gere a disponibilidade do sistema. Apesar das atuais restrições do projeto, a média de 120.000 mil viagens mês este é um caso de sucesso na introdução de uma rede ordenada de modos suaves, sendo agora necessário ajustar o SLA à rede, por forma a possibilitar uma operação sustentada.
Os desafios são de facto enormes e a experiência diz-nos que ainda há um longo caminho a percorrer, nomeadamente no desenvolvimento da rede de estações, para melhorar a conveniência e na definição de um SLA ajustado a essa rede e à realidade da operação.
Assim, as cidades, enquanto entidades gestoras da mobilidade, têm de definir prioridades de investimento para criar, no espaço público, as condições necessárias à implantação das estações. Estas estações devem ser multiplataforma, permitindo o parqueamento ordenado, tanto de bicicletas como de trotinetes ou de qualquer outro modo similar.
Só a criação de uma rede abrangente de estações, capaz de gerar externalidades, permitirá satisfazer o compromisso conveniência/ordenamento e assegurar a sustentabilidade das explorações.
Manuel P. Moura
Vice-Presidente da ADFERSIT