Porque precisamos de um Plano Ferroviário Nacional

Porque precisamos de um Plano Ferroviário Nacional

No passado dia 19 de Abril, numa sessão pública no LNEC, iniciámos o processo que permitirá dotar o país de um Plano Ferroviário Nacional. Neste arranque de trabalhos, importa explorar um pouco as motivações para esta iniciativa. Afinal, para que precisa o país de um Plano Ferroviário Nacional?
Irei explorar apenas duas importantes razões.

A primeira razão é dar resposta a uma vontade crescente no país de colocar o comboio no centro das prioridades. Esta vontade tem expressão, desde logo, na Assembleia da República, mas também um pouco por todo o território nacional, desde as autarquias à sociedade civil.

Um processo participado por todos na elaboração deste Plano Ferroviário Nacional cumpre também o objetivo de permitir que o país faça esta reflexão.

Sendo certo que há perspetivas e interesses diferentes, é precisamente este o fórum e o processo adequado para ponderar todas essas visões distintas. Alguns darão mais ênfase ao transporte de passageiros nas grandes cidades, outros às ligações ao interior, enquanto outros, ainda, chamarão a atenção para o transporte internacional de mercadorias. O Plano Ferroviário Nacional deverá ser capaz de acomodar todo o espectro de preocupações e ambições que existem na sociedade portuguesa em relação ao sistema ferroviário. Essa é precisamente a sua função e, para isso, é muito importante que o país como um todo se aproprie deste plano dando o seu contributo.

A segunda razão é dar estabilidade ao planeamento de investimentos que, como sabemos, raramente têm valores inferiores a centenas de milhões de Euros.

A ausência de um planeamento robusto é talvez a maior causa do constante “pára-arranca” a que assistimos em inúmeros projetos, que são contestados a cada oportunidade, sobre os quais são permanentemente exigidos mais estudos sobre o que já foi estudado à exaustão. Isto faz com que investimentos essenciais para o país sejam sucessivamente adiados, suspensos e repensados, com enormes prejuízos para todos nós.

Apesar de tudo, o Plano Rodoviário Nacional é um exemplo positivo. Trata-se de um plano que está em vigor desde 1985 e que tem sido progressivamente executado e regularmente revisto sem grandes sobressaltos.

Na minha experiência como Ministro das Infraestruturas e da Habitação, nas inúmeras reuniões que fui tendo com autarcas de todo o país, fui percebendo que o Plano Rodoviário Nacional é sempre uma referência de base para as reivindicações que os autarcas – e bem – vão levantando junto do Governo.

O facto de Portugal ter hoje, reconhecidamente, uma das melhores redes de estradas da Europa não é alheio ao sucesso do Plano Rodoviário Nacional. A minha expetativa é que dotar o país de um Plano Ferroviário Nacional possa trazer resultados análogos para o caminho-de-ferro. Ainda que nos falte muito para termos uma das melhores redes ferroviárias da Europa, é certamente nessa direção que quereremos caminhar.

É claro que não basta um Plano Ferroviário Nacional para inverter décadas de prioridade à rodovia em detrimento da ferrovia. Mas a existência de um plano para o longo prazo é, sem dúvida, uma necessidade para que isso possa acontecer.

Por outro lado, isso também não significa que não haja algumas ligações rodoviárias que ainda falta construir, especialmente, no interior.

Como foi discutido na sessão de lançamento do PFN, a complementaridade entre o transporte ferroviário e rodoviário é imprescindível, tanto para os passageiros, como para as mercadorias. Tal como a rodovia não consegue ser tão eficiente como a ferrovia, a ferrovia também não consegue chegar a cada bairro ou a cada fábrica.

Contrariamente ao caso da rodovia, o facto de não existir um Plano Ferroviário Nacional que sirva como carta de referência faz com que as ambições acabem por ficar quase sempre presas a uma ou outra melhoria nas linhas existentes ou à reabertura das linhas que encerraram nos anos 80 e 90. Isto é, continuamos a ter como referência uma rede que foi pensada no século XIX, quando a alternativa de transporte entre o Porto e Lisboa era uma diligência que fazia a viagem em 34 horas.

Este é também um argumento a favor da necessidade de um plano global para a rede ferroviária portuguesa do século XXI, adaptada às condições existentes hoje no território, às tecnologias disponíveis e emergentes, e às expectativas das pessoas de hoje.

Neste ponto, voltamos à primeira razão e à ampla participação que se pretende que este plano tenha.

Só é possível desenhar o PFN se formos capazes de identificar e projetar no futuro as necessidades de mobilidade e de transporte que temos à escala local, regional, nacional e transfronteiriça. Aqui, contamos com a ajuda dos autarcas, das CIMs, das CCDRs, dos partidos representados na Assembleia da República, mas também da sociedade civil, dos especialistas e de todos os cidadãos que queiram dar o seu contributo.

Naturalmente, um plano nacional não pode ser um somatório de reivindicações locais, mas não poderá deixar de responder às necessidades dos diferentes territórios onde a ferrovia seja a melhor resposta.

Para ser a melhor resposta, o transporte ferroviário terá de oferecer mais ligações, melhores tempos de viagem, mais fiabilidade, custos baixos para o utilizador e de estar perfeitamente integrado com os outros modos de transporte. Isto significa também que, nas cidades e nas áreas metropolitanas, terá de estar integrado com as redes locais de autocarro, de metro e de ferrovia ligeira, sem prescindir do acesso direto ao centro. Nas regiões de baixa densidade, a articulação com serviços de autocarros ou com novos tipos de transporte a pedido, por exemplo, podem aumentar em muito a acessibilidade dos territórios. Além disso, em cidades grandes e pequenas, as soluções de mobilidade suave como as bicicletas partilhadas podem contribuir para tornar o transporte coletivo numa opção muito mais atrativa.

No transporte de mercadorias, o acesso direto aos portos, aos terminais logísticos, bem como a própria possibilidade de transportar camiões sobre carris nas chamadas “autoestradas rolantes”, ajudarão a estabelecer a ferrovia como o sistema que assegura a circulação dos grandes fluxos.

Estes são aspetos sobre os quais o PFN não poderá deixar de se debruçar.

O Plano Ferroviário Nacional vai-nos dar a perspetiva de longo prazo para a rede ferroviária, mas também, de certa forma, refletir o tipo de país que queremos ser no futuro. Se queremos ser um país do século XXI, precisamos de uma rede ferroviária do século XXI.

Uma rede ferroviária, mais do que um conjunto de infraestruturas onde circulam comboios, é um conjunto de serviços que transportam pessoas e bens de uma estação para outra.

Por essa razão, o PFN não é um plano de infraestruturas nem um plano de material circulante, ainda que tenha de incluir ambos. O PFN é um plano de rede que irá pensar os serviços que é necessário prestar à população e à economia para, depois, em função disso, determinar as infraestruturas e o material circulante que é necessário.

O contacto dos utilizadores com o sistema ferroviário é sempre através do serviço. No caso do transporte de mercadorias, falamos de um serviço essencial ao bom funcionamento da economia, no caso do transporte de passageiros de um serviço público essencial à vida diária das pessoas.

Como em todos os serviços públicos, este será tão mais eficaz e acarinhado por todos quanto mais transversal for a sua resposta às necessidades. Quanto mais um serviço público toca a vida de mais pessoas, independentemente do sítio onde moram, onde trabalham ou da sua classe social, mais consensual ele se torna.

Também à semelhança de outros serviços públicos, os benefícios para o conjunto da sociedade superam largamente os seus custos. A ferrovia é, portanto, um bem público por excelência e cabe-nos deixar o país dotado das ferramentas de que precisa para que continue a sê-lo.

5 de Maio de 2021

Pedro Nuno Santos
Ministro das Infraestruturas e Habitação

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