A ESTAÇÃO DO SUL E SUESTE E O METRO DE LISBOA

A ESTAÇÃO DO SUL E SUESTE E O METRO DE LISBOA

A recuperação do acidente do túnel do metro e a remodelação da praça da estação fluvial como homenagem à Engenharia Portuguesa.

Junho de 2000

No dia 9 de junho de 2000, final da manhã. Estranhamente, o pavimento do Terreiro do Paço, entre o torreão nascente e o rio, abateu ligeiramente. Dezoito metros mais abaixo, no leito do rio, água e lodo tinham penetrado no túnel do Metro através dos orifícios acabados de abrir para futura execução de “jet-grouting” de consolidação do terreno envolvente do túnel.

Alguém tinha decidido avançar com a execução dos “carotes” no revestimento do túnel sem a presença da fiscalização do Metro e do empreiteiro, querendo rapidamente mostrar serviço. A pressão da água, àquela profundidade, provocou o seu escoamento com arrastamento de lodo para o interior do túnel pelos furos dos carotes, deformou as paredes do túnel e induziu o assentamento dos terrenos à superfície.

De uma reunião de emergência no estaleiro da obra rapidamente saiu a solução para suspender o processo de deformação, com o enchimento do túnel com água, para equilibrar as pressões no seu interior e no exterior. A reconstrução do túnel veio a ser executada depois de um tormentoso e demorado período de audições no Parlamento em busca de culpados, mas que acabou por ser ultrapassado sem oposição partidária por uma decisão ministerial contratando um gabinete de engenharia holandês com ampla experiência em túneis em terrenos desfavoráveis (embora já fosse reconhecida a experiência da engenharia inglesa nos terrenos difíceis do Tamisa, na altura os principais especialistas eram holandeses e japoneses).

Por um lado, desenvolveu-se, neste caso exclusivamente pela engenharia portuguesa, a nova estação de Terreiro do Paço, deslocada no sentido do poço da Marinha (que ao longo desta complexa obra sempre manifestou total cooperação) para envolver a zona afetada do túnel. Era um paralelepípedo com as paredes constituídas por estacas secantes formando uma paliçada cravada nos terrenos miocénicos e na soleira rica em betão, e escorada a toda a altura por vigas duplas transversais. O projeto foi muito gabado por várias universidades estrangeiras e descrito em revistas técnicas.

Por outro lado, sob projeto dos holandeses em parceria com técnicos do Metro e do LNEC, construiu-se um novo túnel por dentro do pré-existente, em módulos em forma de anel, de betão armado com 10 metros de comprimento cada um, imbricados uns nos outros como os anéis dos lavagantes.

Por outro lado, ainda, houve que consolidar os terrenos de aluvião envolventes do túnel segundo um projeto do LNEC através de estacas de betão armado dispostas aos lados do túnel e cravadas no terreno firme miocénico, o que também estabilizou o torreão poente, que há uns anos vinha paulatinamente afundando. Minimizar-se-ão assim os efeitos de uma eventual liquefação dos terrenos em caso de sismo forte.

Não foi esquecida a instrumentação para monitorização dos deslocamentos, cujas medições eram enviadas pela internet para a sede do gabinete holandês.

O projeto do Metro de via férrea betonada também ajudou à resistência do túnel, graças ao betão do leito de via, no interior do qual se encontram as barras de aço de reforço do circuito de retorno das correntes de tração (para evitar a corrosão eletrolítica da malha estrutural do túnel).

No centro da frente ribeirinha do Terreiro do Paço reconstruiu-se pedra a pedra o Cais das Colunas que tinha sido desmontado e guardados os componentes, muitos deles reconstituídos, incluindo as colunas, nos armazéns do Metro.

Dezembro de 2007

Sete anos e meio depois do acidente foi demolida a comporta de proteção do poço da Marinha, lançaram-se os carris e os sistemas de energia elétrica, de telecomunicações e de sinalização ferroviária e ensaiaram-se as circulações de comboios até Santa Apolónia.

Foi com muito orgulho que em 14 de dezembro de 2007 os envolvidos na obra viram os comboios abrir as suas portas aos passageiros que afluíam da linha da Azambuja e dos barcos da margem sul, no seu afã de sustentação da economia, desde as senhoras da limpeza ao compenetrado técnico superior, ou como dizia Álvaro de Campos, “Acordar - E no meio de tudo a gare, que nunca dorme, - Como um coração que tem que pulsar através da vigília e do sono”.

Tinha havido um pequeno percalço, pouco antes, em junho desse ano, ao iniciar-se a presidência portuguesa do Conselho da Europa, quando se decidiu suspender os trabalhos de arranjos exteriores na praça da estação fluvial.

Abandonou-se a impermeabilização da cobertura da estação do Metro e do corredor de acesso junto do torreão nascente do Terreiro do Paço.

Ergueram-se tapumes a toda a volta, com decoração estudada por arquitetos do Metro.

Aos políticos da Europa, no seu vaivém entre as reuniões no ministério das Finanças e as sessões alargadas no Centro Cultural de Belém, foi assim poupada a vista dum estaleiro desalinhado com as regras retilíneas da União.

Os tapumes não impediram a inauguração da ligação de Metro a Santa Apolónia enquanto decorria a presidência de 2007.

Maio de 2021

O tempo passou, e melhor sorte tiveram os sucessores convocados pela nova presidência portuguesa no primeiro semestre de 2021, presenteados, além do classicismo dos claustros do ministério fronteiro, com a vista escorreita da estação fluvial Sul e Sueste recuperada, encerrada desde 2011 quando cedeu a ligação aos barcos à sua irmã mais nova do lado da doca da Marinha, em franca ligação com a estação de Metro.

A fachada branca e modernista, o átrio com colunas de mármore cinzento mesclado, uns originais e outros de substituição, os aparelhos de iluminação em forma de paralelepípedo e os gradeamentos tradicionais no espaço exterior.

Podem os ilustres visitantes voltar a Lisboa com mais calma, e usufruir dos passeios fluviais dos operadores sediados na estação recuperada. Ou simplesmente apreciar um por do sol sentados nas esplanadas ou nos novos muros de namoradeiras da frente ribeirinha poente da praça da estação. Os mais informais até poderão aproveitar a maré baixa para descer pela nova escada ao areal que o sudoeste e a enchente metodicamente repõem e que pelo próprio peso até ajuda a contrariar a impulsão hidrostática, conforme Arquimedes, a que está sujeito o túnel do Metro.

Como indicam as boas regras, tem prosseguido a monitorização dos eventuais assentamentos, quer do túnel do Metro, quer dos torreões do Terreiro do Paço. Durante as obras de remodelação da praça da estação fluvial foram instalados novos alvos de medição, no corredor de acesso e no torreão nascente, para comprovação da segurança com deteção de eventuais deformações. Seria interessante a publicação de um artigo nas revistas técnicas com os resultados. Igualmente é de assinalar o cuidado antissísmico na construção da nova frente ribeirinha poente da praça da estação fluvial e a proteção da inserção do túnel do Metro no tímpano da estação, através de estacas de betão armado cravadas no fundo miocénico de um lado e doutro do emboque do túnel. Para garantia de que eventuais deformações dos solos não possam comprometer o bom comportamento das estruturas, perspetiva-se a manutenção da monitorização.

Que a recuperação do acidente do túnel do Metro e a remodelação da praça da estação fluvial sejam uma homenagem à Engenharia Portuguesa. A todos os que participaram em tornar este local aprazível, na sua vertente de lazer, e funcional enquanto interface de transportes, é devido um caloroso agradecimento.

1 de Junho de 2021


webinar ISGFernando Santos e Silva
Engenheiro
ex-Técnico do Metropolitano de Lisboa/Desenvolvimento de Infraestruturas

Reportagens da reabertura da estação fluvial: clicar aqui e aqui
Fotos de maio de 2021: clicar aqui
Fotos durante as obras: clicar aqui


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