A Segunda Vida da Linha da Beira Baixa
No passado dia 4 de maio, o troço da Linha da Beira Baixa entre a Covilhã e a Guarda foi oficialmente inaugurado.
Foi um momento de celebração, que assinalou a reabertura à circulação de passageiros e o início da segunda vida deste tão importante troço ferroviário. Mais do que a simples inauguração de uma infraestrutura, estamos perante um novo capítulo para a mobilidade nesta região. Um capítulo que se pode resumir em três palavras: oportunidade, conectividade e esperança.
Trata-se de uma oportunidade efetiva para quem vive e trabalha na Beira Interior e se desloca diariamente no eixo Guarda – Covilhã – Fundão – Castelo Branco, um eixo com mais de 200.000 habitantes. Gera-se assim uma opção adicional para quem vive e trabalhe em diferentes concelhos, reduzindo assim a dependência do carro. As populações poderão alargar mais facilmente as suas opções no mercado de trabalho para outros concelhos deste eixo, melhorando assim a competitividade da região e reduzindo a necessidade de migrar para outras paragens.
Simboliza também a conectividade. Apesar de 80% dos estudantes da Universidade da Beira Interior serem da região Norte, e da existência de fortes ligações académicas e na área da saúde entre a Covilhã e Coimbra, a ferrovia não tem conseguido responder a estas evidentes necessidades de mobilidade entre a Covilhã e o Norte, ou entre a Covilhã e Coimbra e Aveiro. E é precisamente esta conectividade que é tão importante na fixação de empresas na região ou para profissionais que em teletrabalho no interior necessitam de ligações ferroviárias rápidas e confortáveis nas suas deslocações para os escritórios-base nos grandes centros urbanos.
À reabertura deste troço da Linha da Beira Baixa aplica-se também a palavra esperança. As manifestações populares de contentamento e júbilo ao longo da linha ferroviária nos dias iniciais de funcionamento são reveladoras de uma nova esperança e não nos podem ser indiferentes. Numa região em que serviços do Estado têm sido sucessivamente encerrados, a reabertura deste troço após 10 anos é um sinal muito relevante. Simboliza que afinal poderá ser possível inverter a lógica de desenvolvimento a duas velocidades e que também as populações desta região poderão ser convocadas para o crescimento e desenvolvimento do país.
Os sinais de júbilo das populações também têm de constituir um sinal sério para o desenho do modelo de exploração comercial ferroviária. Depois de inaugurada a infraestrutura, é importante que os serviços sejam compatíveis com as necessidades das populações. A verdade é que só deixa o carro em casa quem tem uma oferta comercial competitiva por parte da ferrovia. Infelizmente, a oferta comercial da ferrovia não tem correspondido a estas necessidades e é difícil, senão impossível, a alguém que trabalha e vive numa das cidades da Beira Interior usar a ferrovia no seu quotidiano. Na verdade, os horários não são compatíveis e os preços são proibitivos para quem utiliza diariamente a ferrovia neste eixo. Queremos evitar que daqui a uns anos os serviços sejam cortados por alegada falta de procura. Por isso, deixamos o repto a todas as entidades envolvidas na ferrovia para que, em cooperação com as autarquias, seja desenvolvida uma oferta comercial que se adeque às necessidades das populações.
A Assembleia Municipal da Covilhã e a Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela já apresentaram alguns dos critérios essenciais para a fase de exploração comercial, a saber:
- Ligações de 30 em 30 minutos no eixo Guarda – Belmonte - Covilhã – Fundão – Castelo Branco durante as horas de ponta, a par com passes mensais competitivos.
- Defendemos uma ligação direta Intercidades com o norte do país, e em concreto com as cidades de Aveiro, Porto e Braga.
- A extensão para a Covilhã de todas as ligações Intercidades da Linha da Beira Alta, permitindo assim ligações diretas entre Coimbra e Covilhã. Permitam-me a este respeito agradecer à CP ter já incluído na reabertura da linha uma primeira ligação direta entre a Covilhã e Coimbra, um gesto de enorme consideração que muito apreciamos.
- Ambicionamos a introdução de serviços ferroviários com Salamanca, e desta cidade com Madrid, permitindo assim reforçar a centralidade ibérica da região. Paradoxalmente, estamos a poucas dezenas de quilómetros da fronteira, mas a oferta de transporte público com Espanha é inexistente. Por outro lado, é urgente a reposição do serviço Sud-Expresso, pois este é essencial para as nossas comunidades emigrantes.
A história da conectividade da nossa região tem sido feita de avanços. Faz este ano 130 anos que o rei D. Carlos inaugurou a linha da Beira Baixa até à Covilhã, permitindo impulsionar o desenvolvimento industrial da cidade. No final do século XX, o então primeiro-ministro António Guterres apresentou o projeto de modernização da Linha da Beira Baixa. Em 2003 foi finalizada a A23 e em 2021, após mais de 20 anos, marcamos o fim das obras na Linha da Beira Baixa anunciadas por António Guterres.
Estes avanços não significam que a história da conectividade desta região esteja finalizada, como diria Fukoyama. No caso da Linha da Beira Baixa, houve um aumento na segurança da circulação e a eletrificação melhorou os impactos ambientais. Contudo, os Intercidades da Linha da Beira Baixa continuam a ser aqueles com velocidade mais baixa de toda a rede ferroviária nacional: pouco mais de 80 km/h na ligação entre Covilhã e Lisboa.
Depois desta primeira fase de modernização, é importante incluir já no Plano Nacional de Investimentos 2030 os projetos necessários para que a viagem entre Covilhã e Lisboa/Santa Apolónia seja de 2h45 em 2030. Sem esta rápida ligação com Lisboa, a região não conseguirá ser competitiva para atrair novos investimentos empresariais. Também não estará adaptada para a atração de profissionais em teletrabalho, os quais requerem formas rápidas e confortáveis de transporte para os escritórios de base nos grandes centros urbanos ou para os aeroportos. Da mesma forma como a alta velocidade será essencial para tornar o país mais pequeno numa perspetiva Norte-Sul, entendemos que é também importante inscrever os investimentos necessários para que o país se torne também mais pequeno numa perspetiva Interior-Litoral.
Da mesma forma, é importante que projetos estruturais para a conectividade da região como o IC6 e o IC31 saiam do papel e contribuam para o desenvolvimento da nossa região. Discordamos que se associem estes projetos com megalomanias do passado. Nada pode ser menos verdade. Tratam-se, na verdade, de projetos que visam substituir estradas nacionais obsoletas, sinuosas e perigosas, por vias estruturantes para o desenvolvimento. É tão só isso.
Com a inauguração do troço Covilhã – Guarda, o país passou a dispor de mais um eixo ferroviário para as suas exportações. Estão assim criadas condições adicionais para a atração de investimento produtivo e logístico para esta região.
A melhoria na conectividade para passageiros e mercadorias, associado a tendências como a relocalização de indústria na Europa, a digitalização, ou o teletrabalho, permitem estabelecer as oportunidades para uma nova vaga de desenvolvimento para esta região. Um desenvolvimento que dinamiza a Beira Interior e contribui para o crescimento do país.
21 de Junho de 2021
Vítor Pereira
Presidente da Câmara Municipal da Covilhã