O Porto de Sines e a Transição Energética

O Porto de Sines e a Transição Energética

1. Introdução

A transição energética é um dos cinco pilares do Plano Estratégico do Porto de Sines de 2020. Este plano desenvolve o conceito de “Green Port” envolvendo todos os constituintes do porto nas dimensões energética e ambiental. Em particular, pretende privilegiar parceiros que promovam modelos de negócio orientados para a descarbonização da economia e a transição energética, potenciando sinergias decorrentes da cooperação com os vários constituintes a esse nível, tais como receção e armazenagem de gás natural liquefeito (GNL), fornecimento de GNL a navios (“bunkering”), produção de hidrogénio, geração de energia fotovoltaica e fornecimento de energia elétrica a navios (“onshore power supply”).

O planeamento da transição energética do Porto de Sines surge numa altura em que a União Europeia toma consciência da perigosa dependência da importação de produtos petrolíferos da Rússia, responsável por 27% das importações de petróleo bruto, 45% das importações de GNL e 46% das importações de carvão, segundo dados da Eurostat. Neste cenário, e perante a invasão russa da Ucrânia, a Comissão Europeia apresentou a 8 de março de 2022 as linhas gerais de um plano para tornar a Europa independente dos combustíveis fósseis russos até 2030, começando pelo gás. Este plano contém uma série de medidas destinadas a dar resposta ao aumento dos preços da energia na Europa e a reconstituir as reservas de gás para o próximo inverno. A Europa tem vindo a enfrentar o aumento dos preços da energia há vários meses, mas a incerteza sobre o aprovisionamento está a agravar o problema. A iniciativa europeia, designada “REPowerEU” procurará diversificar o aprovisionamento de gás, acelerar a implantação de energias renováveis e substituir o gás natural no aquecimento e na produção de eletricidade. O objetivo é aumentar a resiliência do sistema energético à escala da UE, com base em dois pilares: i) diversificar o aprovisionamento de gás, através do reforço das importações de GNL e através de gasodutos de fornecedores não russos, bem como do recurso a maiores volumes de produção e importação de biometano e hidrogénio, e ii) reduzir rapidamente o recurso a combustíveis fósseis nas nossas casas, edifícios, indústria e sistema energético, através do reforço da eficiência energética, das energias renováveis e da eletrificação, assim como da supressão dos estrangulamentos nas infraestruturas.

2. Substituição do gás russo

Em 2021 a UE importou 155 bcm (mil milhões de metros cúbicos) de gás natural da Rússia, equivalente a 112 milhões de toneladas e 900 TWh, o que representa cerca de 40% do consumo da energia proveniente do gás. A Agência Internacional de Energia (IEA) divulgou recentemente um plano para reduzir a dependência da UE do gás russo (“10 Point Plan to reduce EU’s reliance on Russian Natural Gas”), que é representado sumariamente no diagrama junto.

EU gas import from Russia

Este plano pretende reduzir as importações da Rússia em mais de um terço dentro de um ano, sem contrariar o Pacto Verde Europeu e o programa “Fit for 55”. Uma das principais medidas é a importação de GNL de outras fontes, estimando-se que é possível substituir 20 bcm de gás russo dentro de um ano e 60 bcm a médio prazo. A iniciativa REPowerEU é muito mais ambiciosa neste domínio, propondo reduzir a dependência do gas russo em dois terços no prazo de um ano, o que se afigura muito difícil, se não impossível.

A substituição do gás russo por GNL de várias origens coloca Sines numa posição privilegiada por três razões: i) é o porto europeu mais próximo da produção de gás no Atlântico, ii) é um porto sem constrangimentos, quer marítimos quer terrestres, e iii) é mais económico transportar gás por gasoduto do que por navio, em condições equiparáveis (o que não é sempre o caso, convenhamos).

3. O Corredor Ibérico de GNL

Espanha lidera a Europa na capacidade de receção de GNL, seguida pelo Reino Unido e pela França. Hoje tem seis terminais ativos com uma capacidade nominal de 61 bcm/ano. Um sétimo terminal, El Musel, localizado em Gijon, Astúrias foi construído em 2012 mas nunca foi ativado (atualmente está a ser convertido para fornecimento de GNL para navios) – ver diagrama junto.

Corredor Ibérico de GNL

As capacidades nominais dos terminais ibéricos de GNL são indicadas no quadro junto.

terminais ibéricos de GNL

Um artigo do Prof. Dr. Duarte Lynce de Faria intitulado “A (in)dependência energética da Europa – The Iberian Sothern Gas Corridor” publicado pelo Centro de Investigação e Desenvolvimento do Instituto Universitário Militar em fevereiro de 2022 analisa de forma seminal a importância da rede ibérica de terminais de GNL para a importação de gás para a Europa. Neste artigo o autor demonstra que não é fisicamente possível importar GNL para a Europa além-Pirenéus, nos montantes requeridos para substituir o gás russo, sem a contribuição da Península Ibérica. É fácil perceber porquê: a importação de 100 bcm de GNL (2/3 das importações russas) representa qualquer coisa como 800 escalas de navios por ano, o que é claramente inviável através dos congestionados portos do norte da Europa.

Contudo, a interligação da rede ibérica de gasodutos com o resto da Europa, como mostra o diagrama junto, implica um forte investimento em infraestruturas, particularmente na ligação transpirenaica que tem sido resistida pela França, mas que, presumivelmente, irá finalmente avançar.

rede ibérica de gasodutos

Fonte: Prof. Duarte Lynce de Faria, adaptado de várias fontes.

Citando o referido artigo:

Depois de muitos anos dependentes das fontes de gás provindos da Rússia, e gorados que foram, substancialmente, os esforços da União Europeia para a construção de gasodutos com diferente proveniência, importa perspetivar uma visão de sustentabilidade energética através do transporte dos novos gases de fonte renovável do Sul da Europa, particularmente da Península Ibérica, projetando uma rede de gasodutos (“The Iberian Southern Gas Corridor”) para o centro e norte da Europa que transitoriamente poderá, igualmente, ser utilizada para o fornecimento de gás natural (e de misturas com outros gases como o hidrogénio) para aqueles mercados

4. Oportunidade para Sines

O volume de gás atualmente importado por Sines, cerca de 6 bcm/ano, está muito perto da sua máxima capacidade, não por incapacidade do terminal de GNL, mas pela limitação da rede de transporte, a qual poderá ser ultrapassada com a construção de uma estação de compressão (planeada para a zona do Carregado, mas ainda por construir). Por comparação, Espanha tem 20 estações de compressão para uma área que é cerca de 5 vezes superior à de Portugal.

Note-se que a capacidade de expansão do Porto de Sines é superior à dos principais portos espanhóis, pelo que é legítimo pretender captar uma quota significativa do esperado aumento da importação de GNL através da Península Ibérica, estimado em 60 bcm/ano. Uma quota de 30%, por exemplo, significa um aumento de três navios por semana, o que é facilmente comportável.

Contudo, para Sines poder assumir o seu potencial é necessário um forte investimento em infraestruturas a nível nacional, ibérico e europeu.

14 de Março de 2022

Jorge d’Almeida
Presidente da Comunidade Portuária e Logística de Sines

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